sábado, 19 de setembro de 2009

A realidade em construção

Domingo em casa, convalescendo de uma forte gripe, aproveitei para ler um pouco e refletir. Uma das grandes questões filosóficas que baliza a divisão entre visões de mundo é o sobre o entendimento da realidade. A realidade pode ser compreendida como algo objetivo, posto, independente da interação humana estando a espera de ser descoberta e compreendida. Esta concepção sustenta a visão da ciência que determina a separação entre pesquisador e objeto e estabelece um método objetivo para realizar a descoberta. Descartes em seu texto, "Discurso do Método" enafitza este caminho como mais eficiente no uso da razão. Esta abordagem está presente em várias áreas do conhecimento e também no nosso cotidiano. Quando, ao sair do médico, tenho em minhas mãos uma porção de exames, que cada dia ficam mais sofisticados, como pré-condição para conhecer um diagnóstico, indica a visão de que existe uma realidade que somente é possível chegar até o seu entendimento através de métodos objetivos. Outra situação que acontece frequentemente é a realização de pesquisas quantitativas, utilizando estatísticas, para definir uma realidade, seja ela social ou eleitoral. Muitas vezes esta visão é predominante e começamos a super valorizar métodos e técnicas.
Uma outra concepção menos divulgada é a de que a realidade é produto de uma construção social coletiva ou de uma interpretação do que está acontecendo. Berger e Luckman escreveram um livro chamado: "A Construção social da realidade" sintonizado com esta direção. A obra de Vigotsky, Wittgenstein, Blumer, Baudrillard, Giddens e até Paulo Freire podem ser consideradas alinhadas também com a visão de que a realidade depende da interpretação e da construção de significados que fazemos a partir dela. Isso também tem implicações para ciência e para o nosso cotidiano. Neste sentido o futuro depende de como interpretamos e construímos o significado das coisas hoje. Todos os livros de auto-ajuda partem da premissa de que o nosso pensamento e interpretação dos acontecimento têm uma força sobre a nossa realidade. Lógico que para vender mais livros eles exageram na fórmula e prometem mais que podem. Na minha concepção, a força da religião e da fé sobre a nossa vida parte da mesma premissa, pois ao acreditarmos que somos protegidos ou que temos uma força maior nos acompanhando, acabamos tornando isso uma realidade. A visão de que a realidade pode ser construída socialmente e que a forma como interpretamos o que acontece define a forma como agimos e sentimos fazem parte desta outra abordagem. Esta perspectiva é importante para a educação, pois mais do que ensinar conteúdos aos alunos, nossa função é de ajudá-los a construir a sua realidade, permitindo interpretar os fenômenos de uma maneira que o seu desenvolvimento humano seja o principal objetivo. O conhecimento deve fazer sentido para quem está adquirindo. Isso somente é possível quando partimos dos significados do educando e estabelecemos uma ponte com outros significados.
A noção desta divisão é importante quando lemos um autor , pois ao tentar descobrir qual é a sua visão de mundo (ontologia) e de ciência (epistemologia) podemos absorver criticamente o conhecimento. Não significa que temos de adotar apenas uma visão de mundo, ou que exista uma melhor do que a outra, mas ao definir uma moldura para ver o mundo saibamos qual é o seu formato desta moldura e sua constituição para não ficarmos cego. Principalmente na educação não podemos achar que o conhecimento não está realicionado com uma ideologia, todo conhecimento também é uma forma de divulgar uma visão de mundo, por isso estejamos sempre atentos, conscientes e críticos.