terça-feira, 18 de maio de 2010

Vivendo e aprendendo



Muitos dias sem postar no blog, mas continuo sempre atualizando o twitter, pois é mais prático e dinâmico.
Entretanto gostaria de fazer um pequeno relato sobre a experiência que vivenciei hoje na rede municipal. Ouvi da diretora da escola a sua grande preocupação em relação a um aluno específico que tem um comportamento agressivo e a família, mesmo recebendo intimações do conselho tutelar, não se mostrava comprometida em acompanhar o filho na escola. O aluno recentemente agrediu uma professora grávida e isso gerou uma enorme comoção na escola. Ouvindo o relato percebi que eu deveria conhecer mais esta realidade de perto, pois qualquer decisão que eu tomasse naquele momento seria precipitada. Resolvi tomar uma atitude heterodoxa que me tirou da rotina. Fui para dentro de sala e assisti aula na turma deste aluno como um mero ouvinte. A professora nem me apresentou, fui entrando e sentei na última carteira. Fiquei um pouco desconfortável, pois a cadeira era apropriada para criança, mas me ajeitei do jeito que pude. Em um primeiro momento confesso que somente lembrava dos meus tempos de criança, aquela visão do quadro verde lá de trás e o clima de sala de aula me transportaram no tempo, me vi aluno novamente e passou um filme na minha cabeça. Aos poucos fui sentindo a realidade e percebendo os alunos.
A professora fazia um cartaz com a ajuda de cinco ou seis alunos e os outros deveriam copiar a tarefa do quadro, digo deveriam porque ninguém ficava no lugar e os que ficavam estavam fazendo outra coisa, conversando, desenhando ou simplesmente brincando. Resolvi me aproximar de um aluno que copiava atentamente a tarefa do quadro. A tarefa trazia mais ou menos o seguinte enunciado: "Escreva as palavras abaixo e liste aquelas que possuem encontro consonantal. Perguntei ao aluno concentrado se ele sabia me dizer o que era o tal encontro consonantal. Ele me respondeu rápido sem tirar os olhos do quadro: sei lá! Perguntei a outros alunos, sempre em voz baixa, mas obtive a mesma resposta. Comecei a entender porque a maioria demonstrava desinteresse. Fazer uma coisa que não faz o menor sentido sempre gera desinteresse, fica mecanizado e sem graça. Como Rubem Alves preconizava: o conhecimento deve ser ferramenta ou brinquedo, ou seja, serve para resolver um problema ou serve para dar prazer e distração. O sentido da informação é que a torna parte do nosso arcabouço de conhecimento. Sem isso, é nada. Mas a aula foi fluindo e me concentrava no comportamento daquele aluno "problemático". Ele não era o mais bagunceiro da turma e estava concentrado em um desenho. Desenhava bem e era reconhecido pelos colegas por esta habilidade. Enquanto isso a professora ia fazendo o cartaz com os seus ajudante e de vez em quando parava para chamar atenção de um aluno mais barulhento. Fui me aproximando do aluno que chamarei de Pablo e pedi para ver o seu desenho. Ele me mostrou meio desconfiado um belo desenho de uma mulher com os seios de fora e deu uma risadinha. Ele me disse que a Tia havia pedido um desenho sobre abuso sexual. Ri por dentro. Os alunos começaram a se aproximar de mim, uns me perguntaram se eu era do conselho tutelar, outros ficavam me mostrando o desenho que faziam ou o livro que estavam lendo. Fui interagindo devagar e derepente me vi em uma roda de crianças. neste meio tempo, a tia acabou o cartaz e fez a turma toda ler: "Abuso sexual, comete quem deveria proteger". A Professora começou um diálogo sobre o assunto que considerei muito pertinente sobre quem poderia cometer o abuso, como poderia fazer e como as crianças poderiam se defender. Todos ficaram atentos, pois parecia uma informação útil, presenciei com tristeza alguns alunos que retorciam as mãos e nem queriam ouvir o assunto, embora não podemos tirar conclusões é visível que o assunto faz parte da realidade de muitas crianças. A professora resolveu dar uns minutos para que os alunos conversassem antes do sinal bater. Foi a melhor parte da aula para mim. Pude conversar com vários alunos e eles começaram a fazer desenhos e a me dar. O mais engraçado foi um desenho que recebi de uma aluna. Ela apontou e disse: desenhei você. Era um gordinho de óculo! Guardei com muito carinho. O Pablo, o tal aluno.... também me deu um desenho com traços muito bem feitos de um dinossauro. Alguns alunos perguntaram se eu voltaria amanhã.... pensei bem que eu poderia, mas não podia prometer. Muitas crianças espertas, vivas e bem falantes. Bateu o sinal e todos saíram correndo e eu fui acompanhando atrás.
Cheguei no pátio e refleti: acho que o problema deles não é tão grande assim. São crianças como as outras e gostam de serem estimuladas e de aprender. Entretanto o problema e o dilema dos educadores é enorme. Respeito ainda mais os nossos educadores por ver de perto a realidade, mas pude sentir o desafio que temos de como fazer com que os alunos estejam novamente motivados a aprender. Uma coisa é certa, não será com encontros consonantais. Muitas professoras demonstraram no Simpósio algumas experiências vitoriosas, mas somente unindo forças poderemos ver mais possibilidades. Agradeço a rede municipal por me permitir viver isto, saí mais humilde e esperançoso na educação, mesmo sabendo que muita coisa precisa mudar.Vivendo e aprendendo.